Hiperderme (2022)
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Photos - Ricardo Alves
Hiperderme | solo show at Museu Nacional de História Natural e da Ciência - Curated By Sofia Marçal
Depois de uma visita ao laboratório de taxidermia
A estrutura da exposição Hiperderme do artista plástico Francisco Trêpa, inicia-se com várias visitas à sala de Taxidermia do museu e conversas com os taxidermistas Pedro e a Ana, estes encontros inspiraram o Francisco a realizar as suas peças para além da pele. “De início, lembremos que a pele é meio de comunicação por excelência, verdadeira interface dentro/fora, membrana de trânsito e trocas com o que costumamos chamar de ‘meio ambiente’. Não se trata, portanto, de um mero invólucro ou embalagem.”[1]
Francisco Trêpa utiliza na execução dos seus objectos escultóricos, resina de poliuretano que é o mesmo material usado pelo Pedro na preparação dos animais naturalizados, animais colocados em exposição na posição em que parecem vivos, a resina é utilizada como um material transitório. Citando Francisco Trêpa, “O gesto de revestir, que pratiquei em várias esculturas, remete para processos utilizados no laboratório de taxidermia, que criam a impressão de um corpo-ausente. Também foi retratada a forma como as peles dos animais, depois de curtidas, ficam pousadas sobe prateleiras e poleiros.” Como se pode ver nas peças, Curtir I, Curtir II e Curtir III, colocadas sobre a bancada do laboratório.
No centro da sala encontra-se a peça Tira, suspensa e construída com modelos da larva do escaravelho da palmeira, a partir de um modelo oferecido pelos taxidermistas do museu. Esta peça remete-nos para a Coluna Infinita, do Brancusi, assim como as peças, Quase I e Quase II colocadas, respectivamente,na Hotte e sobre a bancada. Ao longo da nossa história alguns artistas foram precursores no seu fazer artístico e contribuíram para a evolução de pensar e fazer arte, quebraram duras regras e chegaram aos limites da impossibilidade. Brancusi foi um deles, o seu testemunho material passou para as gerações seguintes e o seu trabalho continua não só a ser olhado, como é estudado, interpretado e reinterpretado.
As esculturas aqui apresentadas cruzam-se com trabalhos e conceitos que o artista tem vindo a desenvolver, por exemplo, as peças Fantasma I e II, são vultos, fantasmas, colocados em posição de troféu. O artista joga com a ideia de perfeição presente na concepção de troféu, ao fazer bustos e figuras disformes que nos apontam para a forma de troféu, processo recorrente na obra de Francisco Trêpa. Esta temática também está relacionada com a pesquisa efectuada pelo artista para a sua tese de mestrado, sobre a exibição de animais vivos em contexto expositivo. Aqui no museu expõe-se animais mortos, mas muitos em posições que pretendem parecer vivos, como é o caso dos mamíferos e das aves.
A peça Pórtico, colocada no meio da sala, foi construída a partir de uma figueira que o artista tinha no seu atelier. A árvore colocada numa caixa de envio, sugere-nos o trânsito, a impermanência, o inacabado, ”devo restringir-me a traçar um painel de esboços imperfeitos e fragmentários, em lugar de tentar produzir uma imagem completa. O máximo que posso esperar obter é um kit identitário, um retrato compósito capaz de conter tanto lacunas e espaços em branco quanto seções completas. Mesmo essa composição final, contudo, será um trabalho inacabado, a ser concluído pelos leitores.”[2] A peça também nos invoca a proteção, árvore com um ovo dentro de um ninho de espinhos, “A imagem dessas casas que integram o vento, que aspiram à leveza aérea, que põem sobre a árvore de seu inverosímil crescimento um ninho prestes a voar, pode ser recusada por um espírito positivo, realista.”[3]
A exposição remete-nos para os Gabinetes de Curiosidade, criados na Europa genericamente a partir do final do século XV até ao século XVIII. Eram salas onde se depositavam variadíssimos objectos de arte, instrumentos de ciência, animais, plantas e curiosidades ligadas às expedições realizadas ao novo mundo, onde o desejo de preservar, de abrigar, de proteger, assim como a exposição pública das colecções, conduziu à criação dos Cabinet d’Amateur que deram origem a grande parte dos museus.
As peles que ainda estão por tratar, todo o processo da taxidermia vai para além do tratamento da pele, há todo um trabalho preparatório e um processo criativo de esculpir. Na exposição apresentam-se esculturas feitas numa simbiose de plástico bolha e resina. Citando o artista, “Hiperderme reflecte sobre processos, materiais e métodos aplicados no laboratório de taxidermia do museu. O trabalho feito neste laboratório, está presente em muito do que se pode ver nas exposições do MUHNAC. A Ana e o Pedro, os cientistas e taxidermistas deste laboratório, esculpem, revestem, criam e recriam, formas e representações de animais (extintos e não extintos), dos seus órgãos, de detalhes, à escala real ou ampliados/reduzidos. Relações e paralelismos, entre o que se faz neste laboratório e o que se faz no estúdio, foram o mote para o que se apresenta nesta exposição.” O artista não pretende com esta exposição contar uma só narrativa, mas expandir-se em várias direcções, mesmo que no limite se unifiquem. A modernidade na sua necessidade de automatização do médium e de deixar falar o material, concorre tendencialmente para um conjunto de obras mais orgânicas, como é o caso das apresentadas na exposição.
Sofia Marçal
[1]Maria Cristina Franco Ferraz, in: Homo deletabilis – corpo, percepção, esquecimento: do século XIX ao XXI.
[2]Zygmunt Bauman, in: Amor Líquido, Sobre a fragilidade dos laços humanos P. 9
[3] Gaston Bachelard, in: A Poética do Espaço,231.